Megamind

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          Na minha infância, tinha em mente que um “ser vivo” era tudo que estivesse em movimento ou emitindo algum tipo de som. Pensava também que se alguém não reagisse aos beliscões, não tinha jeito… estava morto. Com este raciocínio, a conclusão era que “os beliscões” funcionavam como uma espécie de “desfibrilador cardíaco primitivo” e que poderiam trazer de volta à vida as pessoas (espero que nenhum profissional da saúde esteja lendo isto). Pensava nisto bem antes mesmo de ouvir a frase: “…alguém me belisca para saber se estou sonhando”. E era bom nisto. Difícil era ver a Triana (uma das minhas irmãs queridas) ali parada, inerte sem piscar assistindo televisão. Definitivamente não resistia. A questão é que, naquele dia ela voltou à vida com tudo. O escândalo foi grande. Ecoou pelas casas vizinhas feito sirene. Meu destino era só um… o temível cabo PP 2 X 2,5mm da enceradeira. Pior do que vara de goiabeira. Pior do que as que “…não tem cheiro, não deforma e não solta as tiras”. Pior do que ficar pendurado pela orelha, feito malabarista pendurada pelo cabelo. Só tinha duas formas de escapar da punição: Uma era atracar com minha mãe feito lutador de sumô segurando suas duas mãos numa dança de “dois pra lá e dois pra cá” e jurando pelo “amor de Deus que nunca mais faria aquilo novamente”. Repetir a promessa como um mantra e por último tentar o famoso olhar de gatinho do Shrek.   A outra era “pernas pra que te quero”. Optei pela segunda. Subi em cima da casa. Debaixo da laje principal que sobrepunha a laje da garagem, minha sobrevivência estaria garantida até o anoitecer. Uma boa sombra, alguns brinquedinhos e uma caixa d’agua inteira só pra mim que, além de matar minha sede, servia de piscina em dias de muito calor. O sol despencou do céu e a volta para o interior da casa se deu sorrateiramente. Tudo calmo. Minha mãe serena fazia o jantar como se nada tivesse acontecido. Pediu que tomasse banho. Cantou as melhores de Dolores Durães. Serviu o jantar feliz e ninguém tocou no assunto. Meu instinto dizia que aquela estranha amnésia coletiva era apenas parte de uma armadilha. Passados os primeiros momentos, também esqueci do que havia feito. Dormi como um anjinho.

          O sol estava a pino quando acordei. Dia lindo. Tomava o café da manhã ainda espreguiçando, preste a preparar a agenda do dia, quando minha mãe, numa voz doce pediu que pegasse algo em cima do guarda-roupa. Mais que depressa fui para não contraria-la. Estava em cima da cadeira, quando ela entrou no quarto. Trancou a porta e guardou a chave no sutiã. Cantava agora Maysa. Meu mundo caiu. Com um leve sorriso misterioso no rosto passou por mim e foi até a janela. Apressei-me por dizer:

— Aqui Mãe… aqui oh… achei. Não vai pegar não?!  

Fechou a janela calmamente. Pediu-me para acender a luz. As pernas bambearam. Algo me dizia que aquele dia seria um divisor de águas se sobrevivesse. Gelei. Como num passe de mágica o temível cabo PP 2 X 2,5mm apareceu na sua mão. Fiquei paralisado. Caminhou lentamente em minha direção, dizendo carinhosamente num tom de ironia:

— Sandrinho, meu filhinho querido… eu sempre peço, não faça isto com suas irmãs meu filho… elas ainda são pequenas e não podem se defender… mas não… você tem que ser o engraçadinho… tem que ser o chato, né capeta?!… achou que esqueci de ontem?!… nãooooo, não esqueci… sua irmã também  não… está com o braço roxo do seu beliscão… hoje você vai aprender de um jeito ou de outro… ahhh se vai… hoje você vai sentir na pele…

Congelado, balbuciava algo do tipo:

— Não mãe… não vou fazer mais isto não mãeeee… pelo amor de Deus mãe… não bate ne mim não… mãe, manheeee… por favor mãe… eu juro, juro … eu….

Parei na cena em que minha mãe levantava o PP 2 X 2,5mm bem acima da minha cabeça. Houve a “interrupção de uma tomada de cena para outra”. Voltei a terra ouvindo a voz angelical de minha mãe dando tapinhas leves no meu rosto:

— Sandro, Sandroooo…. você está bem meu filho?! Está tudo bem?! Você está se sentindo bem meu filho?! Olha aqui pra mamãe?! Fala comigo, fala?! Está doendo?!

Acho que deu uma pane. Aparentemente estava tudo certo, se não fosse o fato dos vergões tatuados nas minhas pernas não me causarem nenhuma dor. Nada. Não senti nada nem antes, nem durante, nem depois. Diz minha mãe que não esbocei nenhuma reação. Fiquei feito múmia paralítica. Os vergões com o tempo desapareceram. Bani os beliscões da minha vida. Nada de “me belisca para saber se estou sonhando”. Os mimos de minha mãe, preocupada com o estranho apagão duraram até a traquinagem seguinte, voltando tudo ao normal. Ouvi meu pai comentar depois, sem que percebesse minha presença, sobre o assunto tranquilizando minha mãe:

— Ahh Este Sandro é mesmo uma artista… não bastava ficar aprontando e agora me arruma um jeito de escapar de uma boa sova… Onde já se viu isto?! O espírito sair do corpo na hora de apanhar?! Só ele mesmo! Se esta moda pegaaaa… já pensou Marina?!

O tempo passou e eles acharam de bom tom ficar apenas nos puxões de orelhas. Até certo tempo era perceptível a diferença de tamanhos entre elas. A direita era maior que a esquerda.

Sandro Ernesto 31/10/2020

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28 Resultados

  1. chica disse:

    Sandro, ri muito aqui desde o início… Como escreves bem e nos colocas diante das situações vividas. Adorei os beliscões, o cabo, as tuas traquinadas e aprontadas,rs…Não foste “santo”,rs…E tenho certeza nem de perto quiseste pedir pra que alguém te beliscasse pra ver se vivo estavas…VIVO estás e sempre foste e muiiiiiiito,rs…ADORE! abraços, chica

    • panografias disse:

      Chica, minha querida amiga… fico imensamente feliz por meus escritos arrancarem sorrisos nos leitores como você! Minha gratidão por tudo. Na realidade esta crônica serve de “documentário” para a “beatificação” de minha mãe rsrsrsrs Santa Marina! kkkkk Eu era o capeta mas depois desta “emboscada”, melhorei muito… quase um anjinho kkkkkkk. Que seu domingo seja abençoado minha cara…. beijo no coração!

  2. Gostei da foto! Tb tenho a minha.Rsrs Doces recordações, foto e texto.

    • panografias disse:

      Vou te contar uma boa, minha querida amiga… a história e título já estava pronta quando fui procurar uma imagem. Procurei nos meus arquivos e achei esta. Ao me deparar com a foto me deu uma crise de riso kkkkk se fosse azul estaria igualzinho ao personagem vilão do Megamind. Mudei o título na hora rsrsrs Obrigado sempre pela leitura e comentário. Que seu domingo seja iuminado… beijo no coração!

  3. estevamweb disse:

    Esta clássica foto do primário da escola, infelizmente, perdi nas minhas muitas andanças e mudanças… Na memória, até hoje não perdi as muitas coças dadas por minha mãe ( meu pai não batia, apenas espreitava). Tua história se assemelha. com certeza, á tantas dos idos de 70/80. Ótima semana Sandro.

    • panografias disse:

      Consegui resgatar algumas fotos de família e colocar num arquivo no PC, Estevam, mas esta meu deu crise de riso kkkkkk estou igual ao Megamente 50 anos atrás rsrsrsrs. Meu pai só aplicava o famoso puxão de orelha. Uma família de onze filhos tem histórias de sobra para contar. Obrigado meu querido pela leitura e comentário… que sua semana seja iluminada e produtiva! Um forte abraço

    • estevamweb disse:

      Me restaram apenas uma ou duas fotos da infância. Não era costume tirar fotos e ainda era caro. As poucas tiradas desapareceram.

    • panografias disse:

      É também o meu caso

    • estevamweb disse:

      Outros tempos e outras imagens… Estão em nossa imaginação…

  4. foureaux disse:

    Este tipo de foto é um ícone. Não sei se ainda tenho as minhas. Lembro-me de ter visto duas, em duas escolas diferentes: primário e ginásio, com direito a curso de um ano no curso de admissão pelo meio. Ah… as lembranças de um dinossauro!

    • panografias disse:

      Foureaux, meu querido… acho que alguém nesta época que não tivesse uma foto como esta é comparado a uma pessoa sem celular hoje kkkkkkk. Bom… eu pulei a parte de curso de admissão mas sou quase deste período jurássico sim kkkk Tenha uma boa semana e obrigado! Um forte abraço

  5. Anônimo disse:

    Kkkkkkkk só você pra fazer a barriga da gente doer de tanto rir…

    • panografias disse:

      Eu não sei ao certo quem da família escreveu o comentário, mas o certo é que é engraçado sim… depois que passa lógico kkkkkk Quem sentiu na pele o temível cabo PP 2 X 2,5 virava um anjinho na hora rsrsrsrs Amo vocês família!

  6. Vall Nunnes disse:

    Sandro,sua mãe incorporou a atriz e te deu ou não a lição. Ficou subentendido. Até seu pai observar que você sempre soube sair das encrencas que se metia.
    Apanhar ao som de Maysa,foi o melhor. Inteligência de família.
    A foto do primário tá linda.
    Mas o texto é todo feito pra fazer rir.
    Sobre seu comentário lá em “Bryan Guilherme”: lendas são coisas do imaginário humano. Adorei quando disse que fiz o poema todo babado. Assim que der vou ver sua música pra Gabriela.
    Xeru

    • panografias disse:

      Realmente o texto é todo feito pra fazer rir, Vall… são lembranças de um tempo maravilhoso. Minha mãe definitivamente é uma guerreira… onze filhos “anjinhos” não é para qualquer uma não. Tinha que cantar Maysa mesmo kkkkkkk. O Bryan Guilherme, pelo “poema todo babado” dá para se ver que um menino maravilhoso (só os avôs entenderam os seus babados literalmente kkkkk) Obrigado sempre minha amiga… beijo no coração!

  7. Rodrigo Meyer disse:

    Hahaha. Dei boas risadas. Hollywood perdeu o menino Sandro? rs

    • panografias disse:

      Rodrigo, meu querido… o motivo deste texto era justamente este: arrancar sorrisos do leitor. Fico imensamente feliz que dado risadas rsrsrs. Na foto estou igualzinho o Megamente (veja o cabeção kkkkkk). Hollywood produzir as histórias do menino Sandro, dá uma longa série com várias temporadas e surras kkkkkk Que sua semana seja iluminada e produtiva… um forte abraço!

    • Rodrigo Meyer disse:

      Se a Netflix não abraçar, um livro sai. rsrs

    • panografias disse:

      tenha certeza que sim kkkkkk

  8. Bia Perez disse:

    Como é possível numa única foto nos trazer tantas recordações.
    Túnel do tempo, parece um portal rsrsrs.
    Me diverti bastante com sua história. Me fez lembrar de uma boas minhas, sempre fui muito arteira rsrsrs. Abraços. Bom feriado

    • panografias disse:

      Nossa… você disse certo Bia, parece um túnel do tempo, um verdadeiro portal. Por incrível que pareça, ontem a tarde um amigo de infância me enviou 3 fotos de nossa adolescência e as recordações vieram a tona instantaneamente. É muito bom. Creio que todos nos tivemos momentos de capetice kkkkkkk. Que sua semana seja de bênçãos, minha cara amiga… beijo no coração e obrigado pela leitura e comentário!

  9. Odonir Oliveira disse:

    Texto repleto de memórias e suavizado pela ironia. Muito bom. Há 2 errinhos de concordância em seu texto e seria bacana corrigi-los, Sandro -.” Passados osprimeiros momentos”, ”Os mimos de minha mãe ….. duraram …”

    • panografias disse:

      Obrigado sempre minha querida amiga, pela leitura e comentário… é sempre bom saber que agradou. Obrigado também por me avisar a respeito das concordâncias… ficarei grato sempre que percebe-los nos textos (acho que agora está correto). Que sua semana seja iluminada… beijo no coração!

  10. Você é muito engraçado, amigo

  11. Miriam Costa disse:

    Achei engraçado…apesar de termos levado tantas sovas e eu não acreditar q este é o melhor caminho… mas antigamente era assim…como dizia meu pai: escreveu não leu? O pau comeu. Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

    • panografias disse:

      kkkkkk acho que esta frase é universal porque meu pai sempre falava assim também, Miriam. Depois que aprendi a técnica de sair do corpo, diminuíram as sovas e aumentou o tamanho da orelha kkkkkkk. Obrigado pela leitura e comentário minha querida amiga… beijo no coração!

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