Borderô

        Cheguei por volta das 15h debaixo de um sol escaldante. A grande BH, em época natalina era puro transtorno, de movimento intenso. Cumprimentei os dois rapazes que estavam escorados, um em cada lado da porta, e dentro da loja por sua vez, a turma toda. Do gerente à faxineira com a mesma simpatia de sempre. Comprei a malha (para confecção das camisas que produzia), fiz um borderô de pagamento no financeiro e fui para a expedição pegar a mercadoria. Notei que um dos funcionários neste setor, o mais alegre de todos, estava cabisbaixo. Em tom de brincadeira, perguntei se o time dele havia perdido no campeonato, ao que me respondeu:

— Não Sandro. Estou chateado porque fui assaltado ontem e levaram todo meu dinheiro. Meu pagamento do mês. O pior de tudo é que foi a segunda vez e suspeito que seja a mesma pessoa.

       É nestas horas que pago mico. Já disse em outra ocasião que fico igual o Pato Donald, esbravejando quando me tiram do sério. Fiquei revoltado. Tomei a dores do meu amigo e com a voz na mesma altura da minha indignação, comecei a falar feito papagaio:

— Ahhh nãoooo! Pela segunda vez?! Que isto?! Da onde eu iria deixar… Iria morrer com as duas mãos cravadas na perna do sujeito, poderia até levar o dinheiro, mas eu ia junto agarrado na perna dele… Levaria tiro, mas não soltaria… bam bam bam (fazia todos os gestos numa encenação cômica)… Iria morrer com minhas mãos cravadas na perna dele de forma que teria que me arrastar até poder chegar em casa e serrar meus braços… E depois ainda, com as minhas mãos pendurado feito algema, igual à “Mãozinha da Família Addams”, teria que ir ao médico para arrancar minhas unhas cravadas na canela dele… Sem falar que  teria que tomar injeção antitetânica… Ahhh não, que sacanagem sô! Não aguento ouvir uma coisa desta… filho da *@#%$#$*&

       Na altura do campeonato, notei que todos da loja não paravam de rir daquela minha manifestação de revolta. Gerente, vendedores, compradores, expedição, financeiro, faxineira. Todos estavam às gargalhadas.  Menos os dois que havia cumprimentado na entrada. Pude ver num olhar panorâmico, que apenas se olharam por cima dos ombros com certo desdém. Pensei comigo ainda rapidamente: Devem estar me achando um verdadeiro idiota… Ah, azar o deles!

       Terminei de ser atendido após arrancar muita gargalhada dos presentes, coloquei a sacola pesada nos ombros e sai, não antes de agradecer e me despedir de todos… inclusive os dois que continuavam no mesmo lugar na porta.

        No dia seguinte, mal a lua despencou do céu, recebi a ligação da responsável pelo financeiro, querendo informações dos cheques e seus respectivos bancos e valores. Tentei buscar em vão na minha memória. Eram muitos cheques de valores pequenos, mas todos à vista. Por serem à vista não me preocupei em fazer a relação. Nunca havia tido algum problema e agora… Fiquei numa busca atordoada na minha mente, tentando fazer o cérebro pegar no tranco até que me veio o repente:

— Espera aí Daniela… Paguei estas mercadorias ontem à tarde não foi?! Não deu tempo ainda dos cheques voltarem não, uai?! O que aconteceu?!

— Sandro… Você não vai acreditar. Mal você saiu da loja e dois rapazes que estavam na porta anunciaram o assalto, rendeu todo mundo e levou tudo que tinha no financeiro… Assim como os cheques dos clientes. Por isto estou tentando fazer uma lista rápido para sustar todos a tempo.

— Que isto Daniela… Que loucura é esta?! Nossinhora… Eu dei foi sorte então, uai?

Ouvi uma gargalha estrondosa do outro lado da linha e depois, após a Daniela se recompor me disse:

— Perdoe-me Sandro (ainda risos)… Os ladrões estavam esperando você sair! E novamente outra gargalhada que me intrigou.

—  Eu sair?! Por quê?

— Uai Sandro… Eles acharam por bem não arriscar. Já pensou você deste tamanho, reagindo ao assalto? Com as mãos cravadas na canela do sujeito? E a gargalhada continuou até a ligação cair.

Sandro Ernesto 03/10/2020