Copa de 70
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As televisões preto e branco, ainda que os jovens de hoje não acreditem, era luxo para poucos. Mesmo a nossa, que já dava sinais de falência múltipla das válvulas, tinha para nós um valor inestimável. Para os leigos em Tecnologia, válvulas eram pequenas lâmpadas incandescentes que faziam companhia ao tubo de imagem na parte traseira das TVs. Levava algumas dezenas de segundos para aquecer até que a imagem ficasse sem o famoso chuvisco. Neste ano já éramos 9 irmãos (viria mais duas irmãs nos anos seguintes em comemoração prolongada da conquista) e caía por terra a tese de que, televisores ajudavam no controle de natalidade. Às vezes nossa TV, devido problemas técnicos, perdia o som e era necessário que um de nós telespectadores (sorteado na hora), ficasse deitado de frente da mesma, para fazer a manutenção com um leve chute ou tapinha na sua lateral. Funcionava.
Neste dia minha mãe ensaiava uma marchinha desconhecida na cozinha, enquanto nossa algazarra fazia coro à música que embalava o momento : 90 milhões em ação , pra frente Brasil , do meu coraçãoooo … todos juntos vamos, pra frente Brasil, Salve a seleção! A cada gol, saíamos enlouquecidos, aos berros por todas as direções da casa, numa avalanche de emoções até o apito final. Uma alegria escomunal tomava conta de todos nós. Naquela idade, mal sabíamos que estávamos sob regime de ditadura militar e da verdadeira importância que seria a JULES RIMET para todos os brasileiros. O importante é que tínhamos agora, nossos próprios super-heróis e não haveria Kriptonita que tirasse este feito heroico. Meu coração de menino, aos 8 anos de idade, não via nem maldade, nem utopia, mas apenas os valores da família. Meus olhos, ainda de criança, puderam registrar cada momento, cada sorriso, cada abraço, cada pulo de alegria, cada gesto de carinho trocados por nós. Acho que criança não precisa de muita coisa… apenas amar e ser amada na plenitude de sua criancice. Pudemos ouvir minha mãe chegar e pedir silêncio por um momento. Foi quando ela cantou a sua marchinha, que eu, com os olhos vidrados e ouvido atento, registrei no meu HD cerebral para sempre. In-de-le-tá-vel. Não precisou cantar muitas vezes para que eu pudesse sair pela rua em cantoria. A verdade é que, anos mais tarde, conseguiram roubar a JULES RIMET que o capitão Carlos Alberto Torres levantou naquele dia 21 de junho de 1970 no Estádio Azteca, no México… mas não conseguiram roubar as lembranças desta marchinha que embalou e eternizou este momento histórico. Minha taça particular que agora, orgulhosamente, direto do túnel do tempo, trago em primeira mão para vocês. Lembranças preciosas dos laços de família, reproduzidas neste pequeno áudio abaixo:
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Letra e Música: Marchinha da Copa de 70 / Marina Pedroso ( Minha Mãe ) .
Brasileiros, Brasileiros
Salve a nossa grande nação
Neste ano de 70
O Brasil já é tricampeão
Com o gol do Jairzinho
do Pelé e do Tostão
Todos nós gritamos… Viva !
O Brasil merece nossa consideração..
Narração dos gols : Jorge Curi
Vinheta Brasil (1968): Radialista Edmo Zarife
Otima cronica Sandro… Me vi tambem… Na copa de 1994 foi bem assim.. Que pena que crescemos!
Obrigado Luciano pela visita e comentário… Lembro-me dos detalhes perfeitamente e na minha memória ficou o registro da marchinha de minha mãe ! Bons tempos em que a família se reunia … um forte abraço meu amigo !
Belíssima cronica, adorei cada paragrafo… apesar da distancia, que cultural quer física, quer temporal, a noção de família, de infância ainda hoje perdura na memoria, e fazemos um esforço por a passar ao nosso filho. obrigado por tal elucidativa leitura!
Deixo aqui meus agradecimentos ao casal Alberto e M. Irene Cuddel, pela presença e comentário. Realmente é algo que devemos passar para nossos filhos, a importância da família em nossas vidas ! Obrigado amigos… um grande abraço !
Ótimo texto. Parabéns. Vou ler mais… Você escreve bem.
Obrigado pela presença e comentário tão gentil meu caro amigo Victor. É bom saber que gostou do meu texto, fique à vontade, a casa é sua (acho que o texto saiu bom porque eu o vivi intensamente). Um grande abraço
Pode ter certeza disso.
Linda homenagem à nossa seleção do ano 1970!
Um grande abraço meu amigo Sandro.