O azarado

O azarado
            Habias Copus! Inauguramos o bar e lanchonete no bairro com este nome. Os advogados gostaram da ideia. Bebericavam suas loiras geladas depois do expediente e, como desculpa em casa diziam demorar na petição do “Habeas Corpus”.
            Tudo corria de vento em popa, até que, certo dia apareceu um viajante (destes que vende de tudo um pouco). Convenceu-me de que seria um ótimo negócio ter consignação de álbuns e figurinhas premiadas para atender a criançada. A novidade espalhou pelo bairro. Todo garoto queria ter o álbum e completar suas páginas de figurinhas. Com sorte ainda ganhariam alguns daqueles prêmios. Sorte que definitivamente faltava para alguns seres vivos deste planeta.
            Certo garoto, filho de comerciante do bairro, havia arrematado 100 pacotinhos de uma só vez, num total de 300 figurinhas. 200 repetidas.  Nenhuma premiada. Sua frustração era ver outros garotos ganharem prêmios com apenas um pacotinho. Bastava uma moeda. A cada compra de 50 a 100 pacotes, aumentava sua frustração e o número de repetidas. Comecei a perceber a tristeza em seu olhar. Como pode existir um ser humano tão azarado assim? Outros meninos por muito menos, já haviam completado seus álbuns e ganhado prêmios. Precisava ajuda-lo de alguma forma. Pensando naquele menino (que era o azar em pessoa) pude verificar que, os pacotinhos não havia tanta segurança.  Olhando atentamente sob uma lâmpada acessa, após inúmeras sacudidas, podia visualizar o conteúdo dentro deles. Descobri pelo menos 3 prêmios. Separei-os. Estava decidido a dar um sumiço no azar do garoto.
             Persistência o garoto tinha. Tão abundante tanto quanto o azar. Na compra seguinte infiltrei um dos prêmios. Uma flauta doce. Insisti para que abrisse ali mesmo. A princípio ficou atônito seguido de uma explosão de alegria.  Atravessou a rua, quase sendo atropelado por um caminhão. Nem havia acabado de suspirar, feliz por minha boa ação, quando o Azarildo volta com dinheiro para mais 100 pacotinhos. Infiltrei outro prêmio. Um jogo de damas. Meia hora depois, para meu espanto, o menino voltou com dinheiro da mesada do ano todo, e com um brilho sinistro nos olhos.  Dizia que iria retirar mais algum dinheiro de sua caderneta de poupança. Neste momento fui acometido por uma nuvem negra de arrependimento e transportado para um futuro não muito longe. Vi um adulto de barba por fazer, cigarro acesso no canto da boca, gravata desfeita, numa mesa de poker apostando suas finanças e colocando em risco sua vida familiar. O vício dos jogos de azar estava impregnado em suas veias. Culpa minha. Havia criado um apostador. Senti ser o próprio “Américo Pisca-Pisca” (*famoso personagem de Monteiro Lobato, da história  “O Reformador do mundo”). Que tinha eu de me meter entre a sorte e o azar? Era justo interferir nos caprichos do destino? E o que seria realmente sorte e azar? Fui obrigado desfazer meu mal, contando o meu feito para o garoto. Como prova de meu crime, dei-lhe o terceiro pacotinho que havia separado revelando o prêmio antes que abrisse. Por sorte minha, ele não se importou. Agradeceu-me, dizendo que “completar o álbum” era seu objetivo. Por azar meu, os dois prêmios que ele agora havia ganhado por sorte, já não acreditava mais ser. Questionava-me porque não o deixava escolher qual prêmio ganhar. Escolhi parar de vender os álbuns e figurinhas. Por sorte não fui denunciado. Não precisei de Habeas Corpus.  Já o garoto acabou ficando sem completar seu álbum de figurinhas. Para azar dele… ou será sorte ?!!

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