O pequeno Nity

[…] ficção, fricção ou fique são! ( Sandro Ernesto, p 2015 )
          Assim o oficial lavrou a certidão de nascimento: __Nity Carlison da Silva! Nity, com ípsilon no final, viu moço?!… patenteou sua mãe naquele dia do registro. Nitinho haveria de ouvir para sempre a história da origem de seu nome, que, ela por sua vez, repetia orgulhosamente para amigas. Culpa do Professor Alfredo, que vivia declamando as citações de Friedrich Nietzsche pela casa, onde trabalhava fazia tempos. Por azar do pequeno Nity, a filosofia de quem inspirou o seu nome passou longe, dando lugar apenas ao estigma que sua mãe tanto orgulhava:__”inteligente pra burro”. Aliás, sua filosofia era de não ter compromisso de nada com nada.
          Com 10 anos, o moleque não cresceu suficientemente, nem na estatura e nem no juízo. Sua vida era soltar pipas, nadar pelos córregos, pegar passarinhos com fisgo e jogar bola pelas ruas e pracinhas da cidade. E justamente por não ter talento com os pés que, quebrara os vidros da janela do vizinho e agora estava foragido da justiça. A justiça no caso tinha nome de Sr. Francisco. Um homem sisudo, de porte atlético e que as más línguas juravam de pés juntos que havia matado um homem no passado, estrangulando-o com as próprias mãos. E foi o medo de ter seu pescoço estrangulado pelas mãos do Sr. Francisco, que fez com que Nitinho ficasse ali no lote vago, escondido atrás da moita. Imóvel. Assim permaneceu por um bom tempo, segurando a respiração e tremendo, numa mistura de medo e overdose de adrenalina. Passava por sua cabeça que a bola de cobertão o denunciaria. Era velha conhecida dos quintais vizinhos, o que incluía o da janela quebrada. __Estou frito !…sussurrou.
           Passado o que lhe pareceu uma eternidade, saiu sorrateiro, pé ante pé, para averiguar se corria perigo pela rua. Estava tudo calmo. Achou por melhor dar a volta no quarteirão e não correr o risco de estar frente a frente com o suposto algoz. Já estava quase completando a volta, quando se depara com o próprio. Novamente o medo fez com que, sem pestanejar, entrasse de supetão na biblioteca comunitária do bairro, coisa que nunca havia feito antes. Para sua sorte com o azar, o Sr. Francisco adentrou-se em seguida, com “cara de poucos amigos” de sempre. Nitinho, simulando certo interesse pela leitura e sem olhar para trás,  perguntou a bibliotecária num tom de voz quase trêmula:
___ Moça, você tem algum livro do tal do Nity ?! Nity com ípsilon no final?!…frisou orgulhoso da letra que agregava valor ao seu nome. O que a moça respondeu com outra pergunta num sorriso cordial:
___ Não seria este aqui de Friedrich Nietzsche?!! Acho que vai gostar desta leitura!.. foi quando a voz do dono da janela emendou em seguida em um tom arrastado:
___Que maravilha Nitinho, você se interessar pela filosofia de Nietzsche! Sabia que Nietzche na sua idade não vivia quebrando vidraças por aí com bolas?!!…_e fuzilou um olhar quase que dando seu veredicto sobre o acontecido. Nitinho, sabido de que poderia ser suas últimas palavras, encheu os pulmões de coragem e bradou:
___E também não vivia estrangulando os outros com as mãos! … e não dando tempo para réplica, saiu correndo sem olhar para trás.
          No outro dia sua bola, companheira de tantas aventuras, apareceu toda perfurada em frente ao portão de sua casa juntamente com um bilhete e os seguintes dizeres: ” _ Estrangular não estrangulei. Já esfaquear, me deu prazer “.  E foi a partir daí que Nitinho desenvolveu o gosto pela leitura e certo fascínio por Antroponímia. Jogar bola definitivamente não era o seu forte. Não mesmo.

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