Faltas no tempo

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_Moço… me paga um café?!!

_Estou sem dinheiro agora moça!

   E lá se foram dez passos exatos à frente até parar. Digladiava minha consciência entre afirmações, réplicas e tréplicas numa fração de segundos. _ Você mentiu Sandro… Você tem dinheiro. Quer enganar a quem?! _ Mas estou sem tempo… Além do mais estou com pouco dinheiro! _ Mas um café vai fazer tanta falta assim?! _ Mas tenho muita coisa ainda para fazer! _ Você não trabalha por conta própria? Não é você que administra seu tempo?! _ É, mas… Mas é porque…  Ahhh… Está bem, Palhaço! Não tem nada melhor para fazer mesmo, né?!

   Resolvi voltar andando para trás, como quisesse voltar no tempo. Foram os dez passos depois da resposta e mais dez anteriores. Retomei a trajetória a passos firmes e lentos agora com um sorriso estampado no rosto, seguido pelo olhar desconfiado da moça.

_ Eu menti… Falei que não tinha dinheiro, mas tenho o suficiente para um lanche, sim! Perdoe-me! O que você deseja tomar?

_ Um café com leite e um pão com manteiga! _ disse-me ainda desconfiada.

   Chamei-a para o interior da lanchonete e pude perceber tanto pelo seu olhar amedrontado, quanto o olhar reprovador da atendente, que a mesma já havia sido destratada naquele local. Mas não fazia parte da minha ossada recriminar. Aquele era outro momento. Fiz questão de sentar ao seu lado. Ela rejeitou qualquer outra guloseima que não fosse o que havia me pedido. Nada de Coca-Cola, sucos, pastéis, coxinhas… Simplesmente contentou-se com o café com leite e seu pão com manteiga. Pedi o mesmo para mim.

   Por detrás daquela pessoa maltrapilha transformada em pedinte, agora via uma moça como outra qualquer. Devido tantas perguntas minhas acabou fazendo uma sinopse de sua vida. Havia nascido no interior da Bahia, tinha dois irmãos de pais diferentes, que há muito tempo não via. A mãe morreu. Tem um companheiro e dois filhos.  A falta de dinheiro e oportunidades fez que ganhassem a estrada em busca de tempos melhores, e até aquele último gole de café com leite tinha sido assim. Dei-me por satisfeito.

   Indiquei um amigo, responsável por diversos projetos sociais junto à prefeitura e que poderia ajuda-los a atravessar aquele momento. Despedimo-nos ali diante a lanchonete.

   Agora tinha todo tempo do mundo para refletir. Olhamos, mas não enxergamos. Ouvimos, mas não escutamos. Falta de tempo ou tempos de falta?! Passei o resto do dia em passos lentos, aguçando meu olhar e minha audição. Bem mais que um café com leite, aquela moça precisava mesmo era de uma xícara de atenção e um golinho de afeto.

Autor: Sandro Ernesto 17/05/2017

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5 Resultados

  1. joydaviz disse:

    Que texto mais lindo. Melhorou meu dia. ♥

    • panografias disse:

      Fico feliz por demais da conta Joice… Que seu dia seja feliz e abençoado! Eu disse na minha música ” Amanheceu “: faça a diferença, estenda sua mão…um gesto de carinho já faz a revolução”… sigo por este caminho. Obrigado minha querida amiga… beijo no seu coração !

  2. prjosemartins disse:

    Olá Sandro, amei os trocadilhos, a fertilidade, e manobras das palavras bem concatenadas. Tenha um bom dia!

    • panografias disse:

      Meu querido amigo José Martins… é sempre prazer a sua presença e comentários tão generosos em meu humilde espaço. Obrigado… tenha uma semana iluminada! Abraços

  3. prjosemartins disse:

    Obrigado meu amigo Sandro! Deus é com você. Boa noite!

Seu comentário é sempre bem-vindo, Amigo... obrigado !

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